Fonte: Passa Palavra - http://passapalavra.info
13 de julho de 2012
Me jogaram na portaria tipo um cachorro. Eu queria dizer para o povo que eles têm que dar valor na nossa vida da gente.
Raimundo Braga entrevistado por Tales dos Santos Pinto e estudantes da UFG
No dia 06 de Julho de 2012 ocorreu na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG) o debate “A repressão aos trabalhadores das Usinas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia”, organizado pela Associação Brasileira de Advogados do Povo (ABRAPO) e pela Liga Operária. O depoimento de Raimundo Braga da Cruz Souza, ex-operário da Camargo Corrêa que trabalhou durante oito meses no canteiro de obras da Usina de Jirau, serviu para que professores, estudantes e militantes de grupos políticos tomassem conhecimento das condições de trabalho e da repressão aos trabalhadores nas grandes obras em andamento no Brasil – as hidrelétricas no norte do país e os estádios para a Copa do Mundo – e, assim, tentassem iniciar uma discussão sobre o assunto.
Em sua fala, Raimundo relatou como chegou a Jirau, sua rotina de trabalho, a vida longe da terra natal, a doença laboral adquirida e a experiência singular vivenciada após a greve deflagrada pelos trabalhadores da obra, em Março de 2012. Apesar de não ter participado ativamente da paralisação, Raimundo sofreu as consequências das perseguições aos trabalhadores efetuadas pela Força Nacional de Segurança, Policia Federal e a Guarda Patrimonial da obra: foi torturado e durante 54 dias ficou preso no anexo Pandinha, do presídio Urso Branco [1] em Porto Velho, capital de Rondônia.
Ele foi absolvido, por falta de provas, da acusação de ter iniciado o incêndio nos alojamentos dos operários. Mas outros trabalhadores não tiveram o mesmo destino. Após a greve foram expedidos vinte e cinco mandatos de prisão contra operários que participaram ativamente da luta. Destes, apenas treze operários foram devidamente localizados, sendo que onze foram libertados e dois ainda continuam presos em Porto Velho. Há doze operários que não foram localizados. Uma campanha de solidariedade contra esta situação foi lançada e informações podem ser obtidas aqui.
O evento em Goiânia fez parte do périplo que Raimundo, 22 anos e natural de Luzilândia, interior do Piauí, fez pelo Brasil com o objetivo de denunciar as péssimas condições de trabalho e a repressão a que estão submetidos os trabalhadores nas obras das grandes hidrelétricas. Após o debate, entre um cigarro e outro, ele contou mais uma vez sua peculiar história em Jirau numa conversa com um grupo de estudantes que o rodeava na porta do prédio da faculdade. A conversa, que se iniciou com questionamentos sobre a mudança de percepção do operário sobre o papel da greve, segue transcrita abaixo.
O áudio com a integra da entrevista pode ser ouvido aqui.
Pergunta [P]: Eu queria te perguntar, porque deu para ver que você não estava tão engajado com o movimento da greve. Depois de tudo isso que rolou, de tudo isso que aconteceu, como é que tu vê aqueles, os operários, aquele pessoal que estava se organizando pela greve?
Raimundo Braga [RB]: Como estavam se organizando?
P: Você não falou antes: “Ah, tudo entrava por um ouvido e saía por outro.” A minha pergunta é: e agora, depois de tudo que aconteceu, como é que tu tá vendo aquele pessoal, aquele movimento?
RB: Eu acho que…, não sei se mudou alguma coisa lá dentro, não sei se mudou alguma coisa, se pediram, se atenderam o que estavam pedindo, né.
P: Não! Minha pergunta é como você via. Não estou te pedindo para dar relato, não.
RB: Ah! Como vê.
P: Como você vê eles? O que você acha que eles são, assim? Como é que você acha que eles são, se eles são doidos, se são muito corajosos… Como é que você vê eles?
RB: Agora entendi. Eu acho que estão certos, que estão brigando por um direito deles. Porque eu tenho certeza, lá na casa da gente, pode ser ruim o que for, a gente pode ser pobre, mas não passa o que passa lá dentro, você tá entendendo? Porque lá nós trabalha, não é humilhação não, aquela humilhação de gente gritando no seu ouvido: “Embora!”, não sei o quê, entendeu? Não tem isso.
P: Mas antes você achava que eles estavam certos?
RB: Eu acho que sim.
P: Mas por que estava entrando tudo por um ouvido e saindo por outro?
RB: Eu acho que entrava por outro, mais pra mim, pelo jeito deles lá, as conversas deles, eu só… aí eu via muita gente. Então… rapaz, então será… . Depois foi que eu fui relatar, fui observar como era o procedimento de uma greve? Por que que… Eu não entendia ainda. Aí foi que eu fui relatar direitinho como era a greve, porque eles estavam brigando…
P: E hoje em dia se você estivesse lá, você puxava a greve, você participava da greve junto com eles?
RB: Aí nós ia bagunçar mesmo, que aí eu não ia preso, que eu não baguncei e fui… Eu ia bagunçar mesmo.
P: Quando você foi preso, os outros presos sabiam por que vocês estavam lá?
RB: Eles sabiam…
P: Mas tem que dar um jeito de entender o quê que aconteceu. O quê que você está contando…
RB: Eu não estava entendendo o quê que ela tava falando. Só que eu não entendi o negócio desse movimento dessa greve, não. Eu, para mim, entrava num ouvido e saia no outro, porque eu num…
P: Mas hoje é diferente?
RB: Agora hoje sim, eu entendo já por que que estavam brigando, a greve, que estavam relatando aquilo. Pelos … Por essas coisas melhores, porque a gente vem de lá que a gente é obrigado a ficar aqui pior que um cachorro, não. Eles tem de tratar a gente muito bem, entendeu, porque a gente tá lá dentro suado, tá gastando o suor da gente para conseguir o pão de cada dia. Pra ajudar o pai da gente e outros… Tem muitos lá que tudo tem família, que tem filho, então… eles têm que mandar. O pai deles está trabalhando aqui para mandar recurso lá, para a família dele, para mãe deles, para tratar dos filhos, o pai não tá lá, então… Ele chega aqui, aí eles querem tratar a gente…, querem dar mixaria [ninharia] para a gente. E a distância que a gente não tá. E diz que o nordestino é um comedor de calango [lagarto], que ele chamou meu parceiro…