terça-feira, 31 de julho de 2012

“Não se morre em Jirau. Só morre no caminho de Porto Velho!”


Fonte: Passa Palavra - http://passapalavra.info

13 de julho de 2012   


Me jogaram na portaria tipo um cachorro. Eu queria dizer para o povo que eles têm que dar valor na nossa vida da gente. 
Raimundo Braga entrevistado por Tales dos Santos Pinto e estudantes da UFG





No dia 06 de Julho de 2012 ocorreu na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG) o debate “A repressão aos trabalhadores das Usinas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia”, organizado pela Associação Brasileira de Advogados do Povo (ABRAPO) e pela Liga Operária. O depoimento de Raimundo Braga da Cruz Souza, ex-operário da Camargo Corrêa que trabalhou durante oito meses no canteiro de obras da Usina de Jirau, serviu para que professores, estudantes e militantes de grupos políticos tomassem conhecimento das condições de trabalho e da repressão aos trabalhadores nas grandes obras em andamento no Brasil – as hidrelétricas no norte do país e os estádios para a Copa do Mundo – e, assim, tentassem iniciar uma discussão sobre o assunto.
Em sua fala, Raimundo relatou como chegou a Jirau, sua rotina de trabalho, a vida longe da terra natal, a doença laboral adquirida e a experiência singular vivenciada após a greve deflagrada pelos trabalhadores da obra, em Março de 2012. Apesar de não ter participado ativamente da paralisação, Raimundo sofreu as consequências das perseguições aos trabalhadores efetuadas pela Força Nacional de Segurança, Policia Federal e a Guarda Patrimonial da obra: foi torturado e durante 54 dias ficou preso no anexo Pandinha, do presídio Urso Branco [1] em Porto Velho, capital de Rondônia.
Ele foi absolvido, por falta de provas, da acusação de ter iniciado o incêndio nos alojamentos dos operários. Mas outros trabalhadores não tiveram o mesmo destino. Após a greve foram expedidos vinte e cinco mandatos de prisão contra operários que participaram ativamente da luta. Destes, apenas treze operários foram devidamente localizados, sendo que onze foram libertados e dois ainda continuam presos em Porto Velho. Há doze operários que não foram localizados. Uma campanha de solidariedade contra esta situação foi lançada e informações podem ser obtidas aqui.
O evento em Goiânia fez parte do périplo que Raimundo, 22 anos e natural de Luzilândia, interior do Piauí, fez pelo Brasil com o objetivo de denunciar as péssimas condições de trabalho e a repressão a que estão submetidos os trabalhadores nas obras das grandes hidrelétricas. Após o debate, entre um cigarro e outro, ele contou mais uma vez sua peculiar história em Jirau numa conversa com um grupo de estudantes que o rodeava na porta do prédio da faculdade. A conversa, que se iniciou com questionamentos sobre a mudança de percepção do operário sobre o papel da greve, segue transcrita abaixo.
O áudio com a integra da entrevista pode ser ouvido aqui.
Pergunta [P]: Eu queria te perguntar, porque deu para ver que você não estava tão engajado com o movimento da greve. Depois de tudo isso que rolou, de tudo isso que aconteceu, como é que tu vê aqueles, os operários, aquele pessoal que estava se organizando pela greve?
Raimundo Braga [RB]: Como estavam se organizando?
P: Você não falou antes: “Ah, tudo entrava por um ouvido e saía por outro.” A minha pergunta é: e agora, depois de tudo que aconteceu, como é que tu tá vendo aquele pessoal, aquele movimento?
RB: Eu acho que…, não sei se mudou alguma coisa lá dentro, não sei se mudou alguma coisa, se pediram, se atenderam o que estavam pedindo, né.
P: Não! Minha pergunta é como você via. Não estou te pedindo para dar relato, não.
RB: Ah! Como vê.
P: Como você vê eles? O que você acha que eles são, assim? Como é que você acha que eles são, se eles são doidos, se são muito corajosos… Como é que você vê eles?
RB: Agora entendi. Eu acho que estão certos, que estão brigando por um direito deles. Porque eu tenho certeza, lá na casa da gente, pode ser ruim o que for, a gente pode ser pobre, mas não passa o que passa lá dentro, você tá entendendo? Porque lá nós trabalha, não é humilhação não, aquela humilhação de gente gritando no seu ouvido: “Embora!”, não sei o quê, entendeu? Não tem isso.
P: Mas antes você achava que eles estavam certos?
RB: Eu acho que sim.
P: Mas por que estava entrando tudo por um ouvido e saindo por outro?
RB: Eu acho que entrava por outro, mais pra mim, pelo jeito deles lá, as conversas deles, eu só… aí eu via muita gente. Então… rapaz, então será… . Depois foi que eu fui relatar, fui observar como era o procedimento de uma greve? Por que que… Eu não entendia ainda. Aí foi que eu fui relatar direitinho como era a greve, porque eles estavam brigando…
P: E hoje em dia se você estivesse lá, você puxava a greve, você participava da greve junto com eles?
RB: Aí nós ia bagunçar mesmo, que aí eu não ia preso, que eu não baguncei e fui… Eu ia bagunçar mesmo.
P: Quando você foi preso, os outros presos sabiam por que vocês estavam lá?
RB: Eles sabiam…
[Interrupção]
P: Mas tem que dar um jeito de entender o quê que aconteceu. O quê que você está contando…
RB: Eu não estava entendendo o quê que ela tava falando. Só que eu não entendi o negócio desse movimento dessa greve, não. Eu, para mim, entrava num ouvido e saia no outro, porque eu num…
P: Mas hoje é diferente?
RB: Agora hoje sim, eu entendo já por que que estavam brigando, a greve, que estavam relatando aquilo. Pelos … Por essas coisas melhores, porque a gente vem de lá que a gente é obrigado a ficar aqui pior que um cachorro, não. Eles tem de tratar a gente muito bem, entendeu, porque a gente tá lá dentro suado, tá gastando o suor da gente para conseguir o pão de cada dia. Pra ajudar o pai da gente e outros… Tem muitos lá que tudo tem família, que tem filho, então… eles têm que mandar. O pai deles está trabalhando aqui para mandar recurso lá, para a família dele, para mãe deles, para tratar dos filhos, o pai não tá lá, então… Ele chega aqui, aí eles querem tratar a gente…, querem dar mixaria [ninharia] para a gente. E a distância que a gente não tá. E diz que o nordestino é um comedor de calango [lagarto], que ele chamou meu parceiro…

Pela imediata localização dos operários desaparecidos. Liberdade, justiça e fim das arbitrariedades na obra de Jirau.
Desde 2008 e 2010, os trabalhadores das obras da Usina Hidrelétrica de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira / Rondônia, vêm realizando intensas mobilizações contra as graves violações de direitos trabalhistas e de direitos humanos nessas obras. Essas mobilizações culminaram com as grandes greves de 2011 e 2012.
O CEBRASPO e a ABRAPO têm feito seguidas denúncias dessas gravíssimas condições a que estão submetidos estes trabalhadores e a repressão desencadeada pelo estado contra todo o movimento.
Missões de monitoramento foram realizadas pela Plataforma DHESCA, organização ligada a Plataforma Interamericana de Direitos Humanos, que constataram todas essas arbitrariedades.  No dia 8 de junho/2012, o arcebispo de Porto Velho (RO), Dom Esmeraldo Barreto de Farias; o procurador chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 14ª Região (MPT – Rondônia e Acre), Ailton Vieira dos Santos e o desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região (TRT – Rondônia e Acre), Francisco José Pinheiro Cruz foram a Brasília entregar o documento de denúncia “A CARTA DE PORTO VELHO” para o ministro chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho.
A atitude dos governos Estadual e Federal diante da situação foi de desatar uma campanha de criminalização do movimento reivindicatório. Ao invés de combaterem as irregularidades, eles ampliaram o contingente policial (com efetivos da força nacional de segurança, da Polícia Federal, da ABIN, polícia civil, etc) para reprimir a luta dos trabalhadores transformando o canteiro de obras em um verdadeiro campo de concentração.
Vinte e cinco trabalhadores foram presos, dois operários foram assassinados, doze estão desaparecidos, além de inúmeras agressões, calúnias e todo tipo de arbitrariedade foram cometidos pelo Estado contra os trabalhadores.
Em função desses graves fatos o CEBRASPO e a ABRAPO vem solicitar a participação de todas as entidades, democratas e lutadores do nosso país nessa Petição, que requer:
- A imediata liberdade para os trabalhadores que continuam presos há mais de 90 dias  por participarem do movimento em defesa dos seus direitos: Jhonata Lima Carvalho e Carlos Moisés Maia da Silva;
- A imediata investigação e apuração urgentes das condições de trabalho nas obras de Jirau;
- O imediato cancelamento e arquivamento de qualquer processo contra os trabalhadores que tenham participado do movimento grevista, assim como a revogação das ordens de prisão de todos;
- A localização e a responsabilização pela vida e integridade física dos trabalhadores que foram conduzidos à delegacia entre os dias 28 de março e 3 de abril em função do movimento grevista e até hoje não foram encontrados.
Ajude  a divulgar essa petição encaminhando pedido de assinatura aos seus companheiros, amigos e entidades.

CEBRASPO - Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos
10 de julho, 2012



Leia também entrevista com um ex operário da obra de Jirau:



domingo, 8 de julho de 2012

Pelo esclarecimento da situação de encarceramento de operários de Jirau-RO e imediata solução com a libertação dos companheiros


 CSP-Conlutas propõe e centrais sindicais fazem nota pela libertação dos presos políticos de Jirau
03/07/2012


Por iniciativa da CSP-Conlutas, e com a assinatura de todas as organizações nacionais dos trabalhadores da Indústria da Construção, acaba de ser protocolado ao Governo Federal, junto a Mesa Nacional da Construção, que realiza nesse momento sua segunda reunião oficial, a solicitação de libertação aos presos políticos de Jirau-Rondônia.

Veja, abaixo, a íntegra do documento:

 Pelo esclarecimento da situação de encarceramento de  operários de Jirau-RO e imediata solução com a libertação dos companheiros


Todos acompanhamos os episódios ocorridos nas Usinas de Jirau no início deste ano. Deles, deu-se muito destaque ao que se denominou “violência” dos operários, acusados de incendiar os barracões que seriam de alojamento e outras instalações das obras. Não teve o mesmo destaque nos noticiários, nem mobilizou com tanta presteza as autoridades os abusos e desrespeitos aos direitos dos trabalhadores que eram praticados naquelas instalações, conforme vários relatórios do Ministério Público do Trabalho. A expressão mais evidente desta desigualdade é o fato de o Estado de Rondônia ter instalado uma delegacia de polícia dentro da obra, para vigiar os operários. Note-se que não foi instalada nenhuma delegacia do Ministério do Trabalho para fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista pelas empresas e para zelar pelos direitos dos trabalhadores.

Consideramos inaceitável que Jhonata Lima Carvalho, funcionário da Enesa Engenharia e membro da Comissão de Operários formada na última greve; e Carlos Moisés Maia da Silva, cipeiro da Camargo Correa, presos desde o dia 4 de abril, continuem detidos no Presídio Urso Branco, em Rondônia, sem que tenha sido esclarecido o porque dessa prisão. As Centrais Sindicais, Federações e Confederações que assinam este texto, consideram inadmissível a continuidade dessa situação.

Pedimos que sejam tomadas todas as providencias necessárias, pelo governo federal (Advocacia Geral da União, Ministério da Justiça, Secretaria de Direitos Humanos), e pelas empresas, para libertação dos companheiros presos, para dar celeridade as devidas investigações e para que cessem os processos criminais contra trabalhadores.

Brasília, 03 de julho de 2012


Central Única dos Trabalhadores
Força Sindical
CTB
UGT
NCST
CSP-Conlutas
Fenatracop
Conticom
Contricon



sábado, 7 de julho de 2012

Matéria divulgada no Amazonia da gente


07/07/2012 - 2:03h -

Tortura em Jirau: jovem operário relata violência e prisão ilegal no Pandinha em Porto Velho

 Mara Paraguassu
“Eu estava com carteira de cigarro e isqueiro na mão. Um policial chegou por trás de mim, começou a me xingar e me bater, dizendo que eu tinha botado fogo”

Nesse momento, madrugada de 3 de abril, começou o martírio de Raimundo Braga da Cruz de Souza, jovem operário de 22 anos, um cidadão à procura de vida melhor como tantos outros que arriscam o futuro no canteiro das obras da hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, Rondônia.
Raimundo adquiriu hérnia abdominal por
 causado trabalho no canteiro de obras
Das 2 horas da madrugada daquele dia até 6h30 da manhã ele apanhou de policiais da Força de Nacional de Segurança e da COE (Comando de Operações Especiais, aparato da segurança estadual) para confessar autoria no incêndio de alojamentos da empreiteira Camargo Correa, integrante do consórcio que constrói Jirau e sobre a qual recaem renitentes denúncias de violação de direitos trabalhistas, maus tratos e humilhação contra operários.
O incêndio ocorrido no início de abril, desfecho de uma greve deflagrada no dia 8 de março e que durou até o dia em que a sorte de Raimundo encontrou as armas e algemas do aparato de segurança instalado em Jirau, é reprise da rebelião de 2011, coincidentemente no mesmo mês de março, quando as imagens de destruição de ônibus e alojamentos ganharam o mundo.
Filho pobre de Luzilândia, no Piauí, onde “as coisas são difíceis”, o ajudante de pedreiro ouviu no rádio um agenciador recrutar braços para o grande projeto amazônico, pensou em futuro “mais fácil”, e certamente nem imaginou naquele mês de novembro da partida que a história de exploração de trabalhadores e destruição se repetiria. Muito menos que seria vítima da violação de direitos constatada aos  borbotões pela justiça trabalhista de Rondônia.
Raimundo foi preso ilegalmente. Ficou encarcerado em condições sub-humanas durante 54 dias, ganhou uma hérnia abdominal de tanto carregar peso em Jirau e agora só pensa em voltar para sua terra.
Na quarta-feira, 4, fez um relato do que passou à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM). Depois, na companhia de José Pimenta, do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos (Cebraspo) e de Gerson Lima, da Liga Operária, falou com o Amazônia da Gente:
AG – Raimundo, o que levou você a se aventurar em Rondônia?
Raimundo – Fui tentar construir minha vida. Levantar casa, fazer construção, ter um futuro melhor e mais fácil. Na minha cidade, Luzilândia (PI), as coisas são muito difíceis. Saiu na rádio um cidadão chamando, agenciando, dizendo que a Camargo Correa estava levando trabalhadores. Pedia apenas identidade e CPF e garantia que quando chegasse lá em Porto Velho estava fichado, era só entregar a carteira.
AG – Você tem alguma outra qualificação? Quando chegou em Porto Velho?
Raimundo - Só mesmo como ajudante de pedreiro na construção civil. O moço garantiu que tinha o emprego. No dia em que a carrada (quantidade grande de trabalhadores) ia sair, eu não fui pois não consegui o dinheiro. Ele (agenciador) havia pedido 500 reais. Não pude ir nesse dia. Depois fui mesmo por minha conta. Cheguei em novembro do ano passado, e quando cheguei na rodoviária encontrei colegas dizendo que o cara tinha enganado nós. ‘A Camargo Correa não está pegando’, diziam.
Ao lado do deputado Arnaldo Jordy (centro) e José
Pimenta, do Cebraspo, Raimundo relata a violência sofrida

AG – Você já conhecia esse agenciador?
Raimundo – Não, nunca tinha visto. Ouvi no rádio, ele só cobrou e garantiu que o serviço era certo. Arrisquei ir né? Mas meus colegas tinham rodado, não tinham dinheiro para voltar. Eu fiquei quase um mês esperando e consegui botar uma carta no Sine (Sistema Nacional de Emprego). Depois de uns 15 dias me chamaram. Dei a carteira, foi assinada.
AG – No tempo em que trabalhou lá você viu mau atendimento aos operários no canteiro de obras?
Raimundo – Exatamente as péssimas condições dos alojamentos que tinham lá. Feitos há muito tempo, tudo podre, querendo cair. Não tinha conserto. Quando tinha não faziam completo, ficava torto, querendo cair o alojamento.
AG -  Você está em Brasília, fez denúncia de tortura e prisão à Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Exatamente o que ocorreu com você?
Raimundo – Eu não participei dessa greve que teve lá, por aumento de salário, para cumprir coisas antigas, para os consertos do alojamento e melhora nas condições de serviço. Fui preso voltando da cidade de Jacy (Jacy-Paraná) por volta de uma e meia da madrugada. Vi de longe aquele fogozão (o incêndio). Entrei no meu alojamento para arrumar minhas coisas. Decidi ir atrás de meus colegas do pavilhão 2, que são da mesma cidade minha e vizinhos lá. Pensei: já que tocaram fogo vamos voltar juntos para a nossa terra. Colegas ainda pediram para mim não ir.
AG - O seu alojamento não foi incendiado?
Raimundo - Não. Fui atrás dos meus colegas. Eu estava com carteira de cigarro e isqueiro na mão. Um policial chegou por trás de mim, começou a me xingar e me bater dizendo que eu tinha botado fogo. Disse que não tinha sido eu, que não faria isso. Ele disse: ‘E esse isqueiro aí?’ ‘Sou fumador bem dos meus dez anos’, respondi. Aí já me mandaram ir para a parede, com um monte de arma em cima de mim.
AG - Quem fez isso?
Raimundo – Policiais da COE (Comando de Operações Especiais, aparato estadual) e da Força de Segurança Nacional alojados dentro do canteiro de obras. Eu disse que não ia não. Que não devia eles não. Aí começaram a engatilhar. Meus colegas pediram para ir, senão iam atirar. Fui para a parede, me algemaram, me levaram.
AG – Quantos policiais eram?
Raimundo – Eram três policiais. O primeiro que chegou, e depois apareceu um num canto e outro em outro canto. Me levaram para uma viatura que estava parada ao lado do meu quarto. Me jogaram na viatura, dizendo: ‘Aí desgraçado, o que tu fez? E teus colegas, quem são?  Eu dizia que não sabia de nada, que não participei de greve e eles me batendo direto. Me levaram para o alojamento das mulheres. Me jogaram e começaram a me bater. Entrava dois, dava uma folga de 15 minutos e entrava dois de novo, batia, e depois mais dois. Apanhei de 2 da madrugada até 6 e meia da manhã para contar quem era os trabalhadores, quem tocou fogo. Eu falava para me soltar, que não tinha feito nada do que diziam.
AG – Você identifica quem estava te batendo?
Raimundo – Policiais da Força Nacional. Me mandavam olhar para eles e davam com a mão na minha cara.
AG - E o que aconteceu depois?
Raimundo – Um deles sacudiu spray de pimenta no meu rosto, começaram a me chutar, eu no chão. Não vi mais nada. Aí entrou outro e disse que não podia fazer isso, poderia aparecer alguém e complicar. Estava amanhecendo o dia, alguém podia ver. Saí de lá com um monte de polícia em cima, um monte de arma na minha cara. Diziam: ‘Nós te batemos preso?’ Eu dizia: ‘Não senhor, não bateu não’. Fui levado para a Delegacia de Mutum (distrito de Mutum Paraná). Quando foi a tarde chegaram com meus papel, a empresa mandando me demitir por justa causa, para eu assinar. Eu disse que não ia assinar porque ‘não devo a nenhum de vocês’. Eles saíram, o delegado chegou e me levaram para o Pandinha.
AG - Você fez exame de corpo de delito?
Raimundo - Perguntaram se me bateram. Eu disse que bateram muito. Tem ferimentos? Eu disse que não, ‘mas estou todo quebrado’. Eles sabem bater, e minhas pernas ficaram inchadas. Me levaram para o presídio direto.
AG - E quantos dias você ficou lá?
Raimundo - Eu passei 15 dias numa cela do tamanho de um banheiro, com mais seis. Sem tomar banho, sem escovar a boca, sem comunicação. Eu pedi para me comunicar com alguém na delegacia e não permitiram. Na cela, ninguém dormia,não tinha como se estirar. Não tinha colchão, era no chão puro. Passei por uma primeira triagem, e passei mais 10 dias noutra cela, dessa vez com 84 presos. Depois numa outra cela, com 12. Ao todo, fiquei preso 54 dias.
AG – O que você espera da Comissão de Direitos Humanos da Câmara?
Raimundo – Espero que pague meus direitos. Quero apenas o que é meu. Fui para lá construir minha vida. Quero que pague, acerte direitinho, para eu poder voltar para casa.
AG - Eles tentaram de novo que você assinasse demissão por justa causa?
Raimundo - Exatamente. Dia 28 de maio sai a tarde, solto pelo juiz, não encontraram nada contra mim. E no dia 30 arrisquei. Fui lá no escritório central da Camargo Correa. Perguntei: ‘Quero saber o motivo da demissão de justa causa de Raimundo Braga da Cruz.’ O funcionário olhou para mim, voltou pra dentro. Sentei num banco. Uns dez minutos depois chegou cinco guardas da patrimonial. O empregado disse: ‘Você se recusou a assinar o papel no dia 3 de abril. Vai assinar agora ou não?’ ‘Naquele tempo não assinei, imagina agora. Não vou assinar não, porque não devo nada não. Olha aqui o alvará de soltura. Me de o que é meu, acerte, que vou embora’. Aí ele disse para os seguranças que eu estava despachado. Poderiam me mandar embora. Me jogaram fora da portaria feito um cachorro.
AG - O que você tem a receber Raimundo?
Raimundo – O período que fiquei preso, o seguro desemprego, FGTS, passagem para voltar para a minha terra.
AG - Nesse momento, Gerson Lima, da Liga Operária, fala da doença que o operário adquiriu…
Gerson - E tem um caso grave Antes de estourar o movimento de greve, ele tinha pedido para sair. Foi fazer o exame demissional quando se constatou uma hérnia abdominal em virtude do excesso de peso que carregou na obra. O próprio medico da Camargo Correa negou o pedido de demissão dele por isso. Teria de tratar. Ele estava fazendo os exames quando estourou a greve. Raimundo não poderia ser demitido, ainda mais por justa causa. A Camargo Correa estava completamente errada, irregular. Ele ainda tem a hérnia.
Raimundo - Quando entrei, fiz exame de tudo. Se você tiver uma doença, uma coisinha de nada, não fica. Eu tava sadio. Fiquei doente de tanto carregar tábua, ferro, pedra, tudo.


sexta-feira, 6 de julho de 2012

Comissão de Direitos Humanos da Câmara recebe denúncia de tortura em obras de hidrelétricas

O operário Raimundo Braga, relatando os abusos sofridos para a CDHM,
no centro o Dep.  Jordy e o representante do Cebraspo José Pimenta
 
Brasília/DF – A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados em reunião de trabalho nesta quarta-feira (4) ouviu o depoimento de Raimundo Braga Souza, que fez acusações contra os construtores das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio no Rio Madeira, em Rondônia. Participaram da reunião parlamentares membros da CDHM, José Pimenta, do Cebraspo, Gerson Lima, da Liga Operária e Emens Pereira de Souza, vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Distrito Federal e presidente da Comissão de Direitos Humanos da entidade.
Raimundo Souza, 22, acusado de ter participado da depredação dos alojamentos dos trabalhadores durante a greve deste ano, foi detido e torturado durante toda uma madrugada pela segurança da empreiteira, e depois de levado à delegacia e encarcerado em condições sub-humanas por 54 dias no presídio “Urso Branco”, em Porto Velho/RO, sendo solto após julgamento, por falta de provas e improcedência na acusação. “Sou pobre, porém mereço respeito. Não faria nada daquilo que me acusaram, mesmo porque eu precisava do trabalho”, afirmou Raimundo, que ainda ficou sem seus documentos e pertences, que ficaram no alojamento e lhe foi negada a devolução pelos empregadores.
Oriundo da cidade de Luzilândia, distante 4 horas da capital do Piauí, Raimundo Braga Souza contou que foi recrutado com outros trabalhadores, por uma espécie de “gato” – pessoas que aliciam trabalhadores de outros Estados -, para o qual teria pago 500 reais a título de encaminhamento de contratação, o que configuraria o crime de tráfico de pessoas, de acordo com a Convenção Internacional de Palermo.
Para o deputado Arnaldo Jordy (PPS/PA), que provocou a reunião e também preside CPI do Tráfico de Pessoas, as acusações e violação de direitos humanos e trabalhistas são claras e absurdas. “É inconcebível que em pleno século XXI e no país cuja economia é a oitava do mundo, fatos como estes ainda aconteçam, e ainda mais em obras do governo federal, que mais que nenhum outro, deveria estar a par e coibir tais crimes”, afirmou o parlamentar paraense, que defendeu uma série de ações no sentido de se adotar padrões trabalhistas mais civilizatórios em grandes obras no país.
Segundo José Pimenta, do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos – Cebraspo, 25 pessoas foram presas durante os protestos e greve em Jirau e Santo Antonio, sendo que duas ainda continuam presas e 13 destas estão desaparecidas.
Para Gerson Lima, da Liga Operária, os canteiros de obras de Jirau e Santo Antonio foram transformados em um presídio federal, com a ocupação de homens da Força Nacional e até a instalação de uma delegacia. Ele afirmou ainda que tais procedimentos também são observados em outras grandes obras pelo país, como nas obras da Copa em Manaus e Belo Horizonte, inclusive neste último com trabalhadores traficados da Bahia.
A Comissão de Direitos Humanos em conjunto com a CPI do Tráfico de Pessoas deverá convocar autoridades e responsáveis pelas obras onde fatos semelhantes estejam acontecendo, para esclarecimentos acerca dos fatos relatados.


Assessoria de Comunicação
Gabinete Dep. Arnaldo Jordy

terça-feira, 3 de julho de 2012

Entrevista de operário de Jirau na Assembléia Legislativa de Minas Gerais em 28 de Junho de 2012


Operário que foi preso e torturado em Jirau faz denúncias na Assembléia Legislativa de Minas Gerais. Liga Operária denuncia as péssimas condições de trabalho nas obras do PAC, a Camargo Corrêa e o conluio do governo com as empreiteiras que superexploram os operários.

Música de operário de Jirau denuncia maus tratos e irregularidades trabalhistas feitas pelas empresas


Deixemos Jirau e Belo Monte falar: o trabalho Precário persiste



A situação do mundo do trabalho em nosso país é um ótimo ponto de partida para uma análise do projeto de Brasil que está em fase de implementação. Com outras palavras, o trabalho constitui-se num termômetro para medir o grau de justiça social.

Ouvimos com frequência o canto de sereia enaltecendo os sucessivos degraus que o Brasil vem escalando rumo a um país desenvolvido. Somos, dizem, a sexta maior economia do mundo e com um índice de desemprego tão baixo que já é possível – indevidamente, é claro – falar em pleno emprego. 
É certo que houve uma significativa recuperação dos salários e uma diminuição na pobreza extrema, entre outras coisas. Mas, como diz o ditado, “devagar com o andor”.

Os trabalhadores dos canteiros de obras das grandes hidrelétricas, esquecidos e invisíveis na longínqua Amazônia Legal, representam um bom exemplo da contradição do modelo de desenvolvimento que vem sendo implantado. É verdade que a construção de várias usinas hidrelétricas é responsável, hoje, pela criação de milhares de postos de trabalho. Mas também é verdade que elas expõem o que há de pior em termos de precarização do trabalho.

Vamos focar nossa análise em apenas duas dessas hidrelétricas em construção: Jirau e Belo Monte. O Rio Madeira, em Rondônia, está sendo o cenário da construção de duas hidrelétricas, a de Santo Antônio e Jirau. A de Belo Monte, no Rio Xingu, no entanto, é a maior (será a terceira maior hidrelétrica do mundo) e a mais problemática devido ao impacto social e ambiental.

Arcebispo também denuncia violações dos direitos humanos nas obras de Jirau e Santo Antônio


 Arcebispo de Porto velho apresenta denúncias ao office-boy das empreiteiras, Ministro Gilberto Carvalho

14 de junho de 2012
Dom Esmeraldo Barreto de Farias (foto), Arcebispo de Porto Velho, Rondônia, denuncia as gravíssimas violações aos direitos humanos ocorridas nas obras da usinas de Jirau e Santo Antônio. Antes de ser nomeado arcebispo de Porto Velho, era era bispo de Santarém, Pará. Também foi bispo de Paulo Afonso, na Bahia.
O Arcebispo entregou as denúncias ao ministro Gilberto Carvalho conforme deliberação da realização da Audiência Pública sobre as violações dos direitos humanos aos trabalhadores das usinas do Madeira, patrocinado pela Comissão Pastoral da Terra de Rondônia – CPT, no dia 30 de março de 2012, lembra o arcebispo.
O OCUPANTE DO CARGO DE MINISTRO DA SECRETARIA-GERAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, UM DOS INTERLOCUTORES MAIS PRÓXIMOS DA PRESIDENTE DILMA ROUSSEFF, GILBERTO CARVALHO, QUE ENVIOU TROPAS DA “FORÇA NACIONAL” PARA OCUPAR A USINA DE JIRAU E REPRIMIR VIOLENTAMENTE OS TRABALHADORES, REAGIU COM CINISMO. TEVE O DESCARAMENTO DE DIZER QUE “DESEJA CONHECER MAIS DE PERTO A SITUAÇÃO”. O COMPORTAMENTO CÍNICO DE GILBERTO CARVALHO QUE PATROCINA O PACTO DE DESCOMPROMISSO DAS EMPREITEIRAS COM AS CONDIÇÕES DE TRABALHO, COM A CUMPLICIDADE DAS PELEGAS E GOVERNISTAS CENTRAIS SINDICAIS MOSTRA O MODO DE OPERAR DESSE OFFICE-BOY DAS CONSTRUTORAS, PARTICULARMENTE DA CAMARGO CORRÊA.
Dom Esmeraldo Barreto de Farias frizou que a Carta de Porto Velho, que entregou ao ministro, coloca fatos bem concretos a partir das constatações feitas pelo Ministério Publico do Trabalho com as denúncias dos trabalhadores, as visitas feitas in loco, participação em reuniões e assembleias. “Na carta, encontramos também observações bem fundadas e propostas diante da situação que tem gerado preocupação, medo e sofrimento. A carta levanta a grande questão a respeito do modo como é feito o contrato entre o governo federal e a empresa que vence a concorrência: de quem é a responsabilidade para que os direitos trabalhistas dos trabalhadores contratados para serviços nos empreendimentos sejam respeitados e garantidos? Na situação das Usinas Hidrelétrica do Madeira, quantos são os trabalhadores contratados pelo consórcio que venceu a concorrência? Na verdade, não deve corresponder a um por centro do total.”

E continua: “como cheguei a Porto Velho no início de março deste ano, de fato não acompanhei mais de perto todo o processo. Creio que precisamos reunir mais pessoas para que se possa refletir com toda profundidade sobre estes assuntos e descobrir meios que possam sensibilizar ainda mais a opinião pública, pois são assuntos de muita importância.” Para o arcebispo, “não podemos desistir de acompanhar o que está acontecendo na vida do povo, refletir, analisar, denunciar o que prejudica a vida das pessoas, especialmente dos pobres e de propor o que, a partir desse acompanhamento, vamos vendo, escutando, sentindo e percebendo como luz de Deus. A vida precisa estar em primeiro lugar e não o afã do lucro cabeça de um modelo de desenvolvimento que não respeita a vida humana e o meio ambiente. Mesmo se não conseguimos muitos avanços, só não poderão nos acusar de omissão”.

Confira a entrevista.

Justiça condena usina de Santo Antônio a pagar R$ 1 milhão. Usinas causam danos social e ambiental

Muitos operários morreram ou sofreram mutilações devido as péssimas condições de trabalho nas obras das usinas

Insegurança total dos operários na obra da UHE Santo Antônio



A Justiça do Trabalho em Rondônia condenou as empresas responsáveis pela construção da usina de Santo Antônio, no rio Madeira, a pagar indenização de R$ 1 milhão por dano moral coletivo devido a irregularidades nas condições trabalhistas.
A decisão da 1ª Turma do TRT-14 (Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região) foi tomada no último dia 26 de junho. Os desembargadores da 1a Turma aprovaram por unanimidade manter uma decisão de janeiro deste ano sobre o caso. Ainda cabe recurso.
A condenação atende ação civil do Ministério Público do Trabalho, baseada em fiscalizações feitas em 2009 pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que resultaram em 49 autos de infração. Segundo a ação, não havia plena segurança no canteiro de obras e a jornada de trabalho dos operários ultrapassava o permitido pela legislação.
A Procuradoria afirmou que os trabalhadores ficavam sujeitos a quedas, choques elétricos, soterramentos e outros riscos “à sua integridade física e à própria vida”. A desembargadora Maria Cesarineide Lima, relatora do processo, afirmou que “o descumprimento das normas verificadas [...] atingiu, de forma inequívoca, bens e valores de toda a coletividade de pessoas deste Estado, quiçá do país, passando o sentimento de exploração dos trabalhadores”.
Muitos acidentes causados pelas condições de trabalho na UHE Santo Antônio (3.150 MW), no rio Madeira, provocaram a morte de muitos operários e graves ferimentos em vários outros trabalhadores. Assim como em Jirau, esses acidentes são na maioria das vezes escondidos e sua repercussão é abafada.